Literatura Fantástica



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    [ Vail ] Kilma, a loba.

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    Data de inscrição : 29/04/2010

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    Mensagem por Vail Qui Abr 29, 2010 5:24 pm

    A neve caia lenta. Graciosa. A morte branca. A beleza dela já levara muitos a subestimar sua natureza implacável. Num pequeno monte ao lado da estrada lamacenta, montando num cavalo negro, Thern tinha os olhos fixados no céu. Tentava ver o exato momento em que Aistar, a senhora do inverno, pegava a neve de seu cesto e o soltava sobre a Terra.
    Acurava os olhos, mas não via muito alto, nada além de um céu cinza escuro. As nuvens eram baixas e densas. Tão baixas que pareciam estar ao alcance de uma flecha. Uma escuridão dessas não era bom sinal: a neve continuaria caindo ainda por um bom tempo.
    A mente de Thern nesse momento estava muda, sua voz interior estava silenciada. Apesar das imagens que iam e viam na sua mente, numa incessante torrente.
    Relembrava cada uma das ordens que dera a seus soldados durante a batalha. Cada uma delas. Sabia que algumas haviam sido diretamente responsáveis pelas mortes de alguns de seus soldados.
    Isso seria aceitável, _admitiu Thern, _ se, de algum desses esforços resultasse situação favorável. Um soldado tem que estar preparado para isso. E um general que não aceita este fardo condena todo um exército a destruição.
    Thern rezava à Aistar, a deusa reinante desta estação, o encaminhamento da almas dos que caíram.
    Não haveria um festival este ano à Ela. Havia festivais que seu clã promovia, tanto no equinócio de verão quanto no de inverno. Enquanto no festival de verão se agradecia Zarco, deus do sol, pela abundância da colheita, pesca e caça, e toda a fertilidade da terra e dos homens, o festival de inverno pedia apenas a Aistar que fosse branda e suave no seu período de reinado para o florescimento das sementes plantadas no verão. Era por isso que a maioria das crianças dos Mersse nasciam no inverno; concebidas nos festivais de verão, vinha ao mundo na época difícil e fria do inverno.
    Um enorme bolo na garganta de Thern se formou ao pensar que não teriam mais verões como o ultimo. Não teriam mais colheitas, não se entranharia na floresta na caça de gnus, nem tampouco beberiam kirin dançando e cantando em volta da fogueira enquanto a carne assava lenta.
    Tinha sido uma batalha sangrenta. Não poupou os fracos nem tampouco os fortes.
    Kelme, o rápido, teve a garganta transpassada por uma flecha que não se podia ver e caiu de olhos abertos. Mesmo na batalha, Ther esteve com ele nos últimos momentos, enquanto se afogava em seu próprio sangue.
    _Pobre Kelme. Pensou Thern enquanto procurava mentalmente por seus amigos. Mesmo treinando toda a vida para aparar flechas com as mãos e, tão rápido quando a deteve, embainhá-la e mandar de volta ao inimigo, não teve chance. Como aparar uma flecha invisível¿
    Mesmo Euth, tido como o mais forte dentre nós, o único que já abatera uma besta parda apenas com as mãos. Mesmo ele sucumbira ante o ataque.
    O inverno seria rigoroso. Nós sentíamos na pela agora sua força_ suspirou enquanto aparava na mão um floco frágil de neve. Estava preocupado pois fazia já muito tempo que os Mersse não eram mais pressionados em situações difíceis assim na brutalidade do inverno. Temia que tenham se tornado mais fracos que ele . Não eram mais tão bons em enfrentar a natureza nesta época do ano. Não tanto quanto os Karia, o povo do norte, ou os Senop, o povo da terra da neve eterna. Não tinham provisões suficientes ou peles de gnu contra o frio e sabia que não viveriam todos até o próximo verão.
    O que restou do orgulho povo Mersse, senhores das planícies ocidentais, se arrastava numa fila interminável de homens doentes e feridos, além das mulheres e crianças, evacuadas antecipadamente da cidadela.
    Thern acompanhava o lento avançar da multidão. Else, sua mãe, caminhava anônima, entre a multidão. Puxava seu filho mais novo pelas mãos. Therem tinha já dez anos. Em breve estaria na idade de requerer sua lâmina e uma mulher que seja de seu gosto. Ambos estavam de cabeça baixa. Todos estavam.
    Thern não via um único rosto, só os corpos encurvados, o espírito subjugado pela batalha de que não participaram.
    A maioria eram mulheres, crianças e velhos, todos os que foram poupados da morte certa, ou por nunca ter aprendido a arte da lâmina, ou porque sua época de guerreiro terminara ou não começara. Não se ouvia uma única palavra mesmo naquele enorme aglomerado de gente. O silencio gritava forte nos ouvidos de Thern. Só se ouviam os passos, onde se adivinhava o cansaço pelo arrastar dos pés.
    Alguns soldados ditavam ordens, apressando a massa humana. Eles pretendiam atravessar as montanhas azuis ocidentais e até chegar aos domínios dos Talmak, senhores dos férteis vales do Minoth.
    A noite havia sido longa e o sol parecia surgir acima das nuvens cinza dando a elas um tom opaco, apesar disso a neve não cessara. Apesar do incomodo do frio, que para alguns já fracos, haveria de ser a sentença de morte, Thern pedia que a nevasca ganhasse força para que fosse capaz de encobrir seus rastros. Uma tarefa difícil de fazer para uma massa humana tão grande andando por uma estrada tão estreita.
    _Atenção!!!
    Thern olhou para cima, a voz vinha de algum ponto bem no alto das árvores, mas não viu nada. De repente uma nuvem espessa de neve apareceu numa das árvores e uma sombra caiu por entre ela. Era uma das sentinelas. A sentinela correu e se postou de joelhos, na reverência típica dos árcades, a alguns metros de Thern.
    _ O que houve, árcade ¿
    _ Senhor, um cavalo se aproxima a leste.
    Houve um murmúrio entre as pessoas que estavam mais próximas. Uma das mulheres não se conteve.
    _ Corram!! Salvem-se! São os forasteiros!_ gritou uma velha histérica.
    Thern olhou para ela, a face dura, rangia os dentes tentando aplacar a ira, aquela mulher estava semeando pânico entre os que já estavam em desespero.
    O som do cavalgar, antes fraco e distante, aumentava gradativamente conforme o cavaleiro se aproximava.
    _ Não se satisfizeram em matar nossos maridos _ gritou a velha _ agora querem nossos filhos e o nosso corpo para sua diversão. Por Aistar, mato a mim e a meu filho antes de tal desonra.
    Algumas mulheres ficaram histéricas e começaram a chorar, levando algumas das crianças ao pânico. De repente toda aquela multidão estava mergulhada em desespero.
    _ Acalmem-se!!!_ gritou Thern, e o apontou a lança para a mulher _ E quanto a você, não será necessário sujar suas mãos no seu próprio sangue, se você continuar com esse espetáculo eu mesmo arranco a tua língua.
    O som do galope já estava perto. Thern estava no final da coluna humana com alguns soldados em formação defensiva. O vapor da respiração dos soldados se cristalizando numa nuvem rala de gelo enquanto mantinham suas lanças apontadas para a estrada branca por onde vieram.
    Como a neve obstruía a visão, quando o cavaleiro pode ser visto já estava a menos de trinta metros. Era Kilma, a loba.
    Kilma apesar de mulher passou no teste de verão, o mesmo que todos os aspirantes à lideres de esquadrão eram obrigados a superar para serem reconhecidos guerreiros de frente. As mulheres normalmente tinham o teste de Primavera, onde se formavam mestras curandeiras, ou o do Outono, a prova dos árcades.
    Kilma é alta e forte, apesar de manter as curvas de uma bela mulher. Não raras vezes teve de ensinar incautos com os próprios punhos que, por outro lado, não era indefesa.
    Quando chegou aos soldados, levantou a lança em cumprimento.
    _ Procuro pelo senhor de Mersse! _ disse Kilma que como todos, carregava no corpo e nas roupas o testemunho da batalha da noite anterior.
    _ O senhor de Mersse, meu pai, caiu em batalha contra o inimigo, Kilma. É a mim a quem você deve falar agora.
    _Por Aistar!!!... _ foi perplexidade o que Thern viu nos olhos de Kilma, viu dor.
    Kilma permaneceu e silêncio, perdida e algum lugar dentro de si mesma. Não havia tempo para luto pelo seu pai. Esse silêncio, Thern sabia, que para alguns soldados podia significar que Kilma teria dúvidas dele como novo líder, Thern não podia deixar sua capacidade ser posta em dúvida, nem mesmo por ela.
    _ Fale agora o que tem a dizer Senhor Kilma, loba. Ou põe em dúvida a sucessão do lugar que fora de meu pai¿
    Thern trouxe Kilma de seus pensamentos de forma dura. Ela olhou para ao redor perdida. Mas, tão logo desceu do cavalo, se postou no chão diante do recém empossado senhor das planícies ocidentais.
    _Me perdoe, meu Senhor. Meu coração está em pedaços, não pelo soberano que perdemos, pois agora temos um igualmente valoroso, mas pelo homem e sua justiça, que tanto fez por mim.
    _ Sim... Eu sei, miesch. _ disse Thern oferecendo a lança para que a mulher se erguesse _ Levante-se, haverá tempo para honrar a meu pai no futuro. Por enquanto, preciso saber das noticias que traz. Deixe a curandeira tratar de seu braço enquanto fala.
    _ Sim, senhor. Depois que nossos patriotas estavam já caídos e não antes, refugiei-me no norte da floresta. Esperava encontrar alguns companheiros sobreviventes e organizar um novo grupo de ataque. Não encontrei ninguém, nenhum soldado. Percebi que a cidade caíra e comecei a procurar refugiados para servir como escolta até a segurança.
    _ Fez bem, o tesouro maior de Mersse, como vê, em parte foi salvo. Continue.
    _ No caminho para cá, dando a volta pela parte baixa da floresta. Percebi uma aproximação e eu me escondi embaixo da ponte do rio Manica. A água está tão gelada que achei que meu cavalo não suportaria o frio nas patas, mas ele foi forte. Foi então que vi quando os forasteiros chegaram e se reuniram ali, bem em cima da ponte. Cheguei a estar bem perto deles, protegida pela neve, tanto que cheguei a sentir aquele odor forte que eles têm. Já calculava os movimentos que faria para matar o máximo deles antes de ser abatida quando mais um deles se aproximou e os chamou.
    Kilma era dita “a loba” pois era rápida e silenciosa, podia matar tão rápido e era tão mortífera quanto um lobo branco, com a diferença que, diferente dos lobos, ela atacava sozinha na maioria das vezes.
    _ Não entendi nada daquele chiado que eles falam, se é que eles falam mesmo, _ continuou ela _ então deixei meu cavalo lá e os segui. Eles haviam encontrado um rastro que trazia para cá e organizaram um grupo de busca. Há cerca de vinte deles vindo nesta direção neste momento. O restante parece que está construindo uma espécie de máquina no centro da cidadela tombada. Algo grande, bem grande.
    Thern ouviu tudo em silêncio. Os soldados estavam agitados.
    _ O que devemos fazer senhor¿ Mesmo apressando a multidão somos muitos para que eles percam o rastro mesmo numa nevasca como esta.
    _ Separaremos a multidão em grupos menores e vocês seguirão com cada um deles. Mas temo que isso não será suficiente, não lhes dará bastante tempo para se distanciar, os forasteiros são muito rápidos.
    Thern olhava para o céu novamente. Imaginava se numa hora como esta, onde tudo aparentemente estava perdido Aistar continuaria se escondendo por sobre as nuvens. O que ela teria a esconder daqueles com a morte certa e irrevogável¿ Por que ela não se mostra, nem mesmo para nós, que a adoramos e tememos há eras, mesmo na hora da aniquilação¿ É uma pena.
    _Então Senhor¿
    _ Chame minha mãe. Peça-a para trazer Therem com ela.
    Else, a rainha, se aproximava, o filho sentado a sua frente no cavalo, enquanto a multidão se afastava, silenciosa, abrindo caminho.
    _Chamou-me, Senhor¿
    _ Sim, mãe. _ Thern se afastou até ficar visivel para a multidão silenciosa.
    _Escutem vocês, povo de Mersse.



    Como vocês perceberam, está história ainda não tem um final. mas ela é tipo um teste. Se puderem opinar sobre o que acharam... Agradeceria muito.
    Abraços.

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