Meu amor
Com um copo de cerveja ao lado, o cigarro entre os dedos e o semblante sério, ele me observava. Seu olhar era indecifrável, seu sorriso saia ás vezes, somente quando eu começava a chorar e quando ele me via sofrendo. Isso pra ele era o maior dos prazeres, pois ele não quer entender que esse meu coração idiota só bate por ele.
Uma tragada e nada mais, para me fazer desistir. Uma coisa que pra mim parecia ser impossível, mas agora é minha decisão. Com o peito nu e a camisa jogada no ombro esquerdo, ele sentou-se na cama. Jogou as cinzas do cigarro pela cama toda, e eu só assistia.
Ele olhou para a cama com desprezo, depois olhou pra mim com uma certa raiva no olhar. Encostou-se na cabeceira da cama e continuou fumando aquela coisa nojenta chamada cigarro. Ao seu lado havia um criado-mudo com um cinzeiro, uma corrente caríssima e algumas carteiras vazias de cigarro. Uma das coisas que ele não largava.
Olhou para mim novamente, irônico, maldoso, fuzilando-me com os olhos se isso existir. Mandando-me ir embora apenas com um olhar.
Fui até a porta, com a roupa do corpo eu estava decidida a ir embora. Mas quando eu ia abrir a porta...
- Não se vá - sussurrou uma linda voz - Meu amor..
Olhei para trás, onde ele estava na cama. Ri irônica. Mas confesso que ao escutar aquela doce voz, desisti novamente. Ele me amava sim, mas nada fazia para demonstrar seu grande amor por mim
Fui até ele, sentando-me ao seu lado naquela cama que pra mim nunca mais existiria, que pra mim, eu queimava naquela hora, junto com ele. Olhei em seus olhos vermelhos, causada pela insônia e pelo excesso de cigarros. E ao mesmo tempo roxos, por causa do soco que ele levou ontem á noite ao tentar roubar a joalheria. Isso não foi nada legal, mas pra ele era normal. Ele havia se acostumado com essa vida...
- Eu não te mereço, querido - sussurrei acariciando sua face, um gesto meio irônico para aquele momento
- Vai mesmo fazer isso comigo? - murmurou dando mais uma tragada e "jogando" aquela fumaça toda em meu rosto
Fechei os olhos por conta da fumaça tóxica e prendi a respiração por conta do cheiro horrível que aquilo transmitia. Logo depois os abri novamente, observando ao meu redor... O quarto semi escuro cheirando á bebida.
- Vai mesmo me deixar? Vai mesmo acabar comigo desse jeito? - perguntou com um tom triste de voz
- Você já se acabou ao máximo, não tenho mais nada para acabar aí - o olhei com desdém
Ele arregalou seus belos olhos castanhos. Saí pulando da cama e indo até a porta. Ele então, surpreso com minha reação levantou-se, deixou o cigarro de lado e foi até mim. Seu perfume chegou até mim em questão de segundos, o que me impediu de abrir a porta novamente. Embora ele seja um viciado em drogas e bebidas, ele tem um perfume bom... Pelo menos isso.
Virei-me e encarei seus lindos olhos. Com a pouca iluminação consegui enxergar mais de perto a cor morena de sua pele, um ar sombrio em sua face, seus olhos misteriosos ora passando segurança ora passando medo. Seu cabelo castanho claro todo bagunçado, olhos grandes, bem grandes. Uma boca perfeita, recusando um sorriso, recusando uma palavra de amor, ou um beijo para calar aquele momento triste e marcante que acontecia entre nós dois. Um beijo no qual ele recusará eternamente, um sorriso no qual ele jamais abrirá por mim, por minha felicidade e uma palavra de amor que jamais sairá de um coração que não bate mais, que já está desgastado, amargurado talvez ou mesmo sem amor para dar, sem nada, completamente vazio.
- Não faça isso - sussurrou encarando-me
Ele era lindo, eu confesso. Mas por dentro, do lado esquerdo havia um órgão que apodreceu á anos, que deixou seus últimos talvez úteis pedaços caírem ao chão, virando cinzas e se desfazendo no momento em que mais precisei. No momento em que optei por pegar suas cinzas, talvez seus cacos e juntar.
- Eu posso viver sem você - afirmei
Virei-me e sem fraquejar abri a porta. A luz que vinha de fora iluminava o quarto inteiro e o vento que bagunçava meus cabelos podia ser sentido até no coração. Principalmente quando se está só.
Assim que eu ia dar algum passo, ele segurou em meu braço e virou-me com certa brutalidade.
- Eu te amo! - exclamou apavorado
A primeira, única e última vez que ele me disse que me amava foi quando eu havia desistido de viver ao seu lado, foi quando eu havia erguido minha cabeça para dar inicio á uma nova vida, á uma nova alma... Dar uma chance á mim. Esse foi o único momento.
Recusei-me á encarar seus olhos, amargurados e angustiados. Eu não podia nem deveria fraquejar novamente, essa era minha hora e minha decisão que eu devia ter tomado á anos. Eu estava pronta para deixar aquele beco que ele chama de nosso mundo. Eu estava pronta para deixar aquele rapaz lindo, do cabelo bagunçado, viciado em drogas, dos olhos vermelhos, do sorriso perfeito, do corpo perfeito, do coração triste.. Eu estava pronta para deixá-lo?
- Eu também - respondi abrindo um sorriso e fechando a porta
Joguei-me em seus braços me entregando mais uma vez á um alguém que eu jamais seria capaz de deixar. Ele me fazia feliz sim, com aquela vida medíocre que tinhamos. Ele me amava sim, mesmo não sabendo demonstrar. Mesmo não demonstrando com palavras, com gestos, mas ele sabia disso dentro de si. Ele me demonstrava isso... Através de seu respirar.