Parte 1
Kurono caminhou até uma cruz no chão. Vestia um avental verde claro, típico dos pacientes em recuperação. Não era bonito, tinha estatura mediana e cabelos pretos mal cuidados. Os traços do seu rosto eram o de uma pessoa muito abatida. Permaneceu ali, ao lado de um pequeno e discreto túmulo, ornado com uma cruz lapidada em marmore branco. Havia algumas flores murchas, o chão era coberto por uma pequena e rasteira espécie de grama. Desde que despertara á duas semanas o jovem sempre ficava diante daquele túmulo, sentia culpa pelo o que aconteceu com a pobre enfermeira. Teria passado mais uma tarde inteira no pequeno cemitério que fica escondido no fundo daquele centro de recuperação, mas foi interrompido pelo Dr. Gellar.
─ Como está Kurono? ─ Levou a mão sobre o ombro do jovem.
─ Minhas pernas já estão boas. Terminei ontem as sessões de fisioterapia.
─ E o seu braço? Ainda dói? ─ Olhou o braço direito do rapaz havia uma fina camada negra por cima da pele, um tipo de revestimento que insinuava os contornos dos musculos.
─ Você está se despedindo? ─ Esperou e novamente ouviu o silêncio.
─ Precisamos conversar sobre as suas condições de saúde, entende?
─ Pode falar ─ Respondeu em um tom seco. Como se quisesse impedir a conversa
─ Sei que este não é o local apropriado, mas acredito que não vou convencê-lo a mudarmos de ambiente ─ Retirou o equipamento de seu bolso, parecia muito uma prancheta do tamanho da palma da mão, era muito fina e com um display sensível ao toque que ocupava quase toda a superfície.
O soldado olhou fixamente para as pequenas animações holográficas que pareciam dançar sobre o aparelho, o doutor apontou o que pareciam duas cordas oscilando, sendo uma o dobro do tamanho da outra.
─ Veja, este é o seu padrão de Pléra ─ Disse indicando o menor. ─ E este maior aqui é o de Seph.
─ Ainda não me recordo muito bem das coisas, desse Seph, ou até de mim mesmo ─ Desviou o olhar para o túmulo. Era mais facil tentar esqueçer do que remoer tristes lembranças.
─ Bem Kurono, suas memórias aos poucos voltarão no lugar certo, o seu trauma psicológico é o menor dos seus problemas agora. ─ Tentou agredi-lo com o tom de voz. Sabia que o paciente tinha mais lembranças do que dizia.
─ Enquanto você estava em coma, consegui fazer algumas pesquisas sobre seu padrão de Pléra, e realmente me surpreendi muito. ─ Dizendo isto percebeu que o soldado não gostou da idéia de ter sido estudado enquanto esteve internado ali.
─ Então quer dizer que me usou como cobaia? ─ Disse lancando um olhar incredulo para o medico.
─ Não, não é isso. Por se tratar de um Aedge, tivemos de tomar algumas precauções, espero que me entenda.
─ Não sabia que médicos tratavam seus pacientes com indiferença, mas tudo bem. Vamos ao que está tentando me dizer.
─ Como você diz não se lembrar, vou explicar o que é um Aedge, ele é como uma segunda personalidade sua, herdada no nascimento, é muito mais poderosa do que podemos imaginar. Mas nunca se mani-festou totalmente. Então não sabemos como ela vai reagir, sabemos apenas que você entra em um estado de consciência destrutiva quando usa esses poderes ocultos. ─ Olhou fixamente para os olhos do soldado.
O silencio se manteve, era impossível manter um dialogo entre Kurono e o Dr. Gellar.
─ De acordo com os exames e pesquisa que fizemos, cheguei à conclusão de que estes padrões de Pléra influenciam muito na sua personalidade. ─ Parou tentando procurar as palavras adequadas.
─ Como assim? ─ Indagou curioso.
─ Existe uma espécie de selo que prende o seu Aedge Seph, mas o selamento perdeu sua força. É a única coisa que impede Seph de tomar o controle da sua mente é este selo.
─ Por favor me explique melhor. Por que o selo enfraqueceu? Quem fez isso comigo? ─ Indignado queria respostas, ficou frustrado em pensar que o Dr. Sabia mais dele do que ele mesmo.
─ Este é o selo de Samsara. Um tipo de elo entre você e o seu Aedge, que permite você usar os poderes do seu Aedge, mas sempre foi muito perigoso, pois na maioria das vezes você perdia o controle, agora quem fez este selo, pra mim também é um mistério.
─ Então se eu usar o poder do selo novamente, eu serei dominado pelo Aedge?
O medico calou-se, mas o soldado sabia que a resposta era sim. Precisaria digerir as informações, queria não acreditar no que acabou de ouvir.
─ Sei o quanto é difícil para você ouvir uma coisa assim, mas não posso afirmar que na próxima vez que utilizar o selo, isto ira acontecer. Você pode utilizar o selo uma ou outra vez, mas quanto mais usar ficará mais próximo de Seph, além de que não sabemos qual é a personalidade verdadeira de Seph. Talvez apenas você saiba, de qualquer forma, é uma decisão que apenas você pode tomar.
─ Então vou me empenhar e ficar mais forte, para não precisar mais do selo. ─ Olhou para Gellar confiante naquilo que acabou de dizer.
─ Fico contente que entendeu, mas não era apenas isso que tinha de falar para você.
O paciente parou e respirou fundo, sabia que sempre depois de uma má noticia vinha uma pior em seguida, mas tentou imaginar o que poderia ser pior do que acabou de ouvir.
─ Sua amiga Riona vem buscá-lo amanhã cedo, então acho melhor dar um jeito neste rosto de morto vivo. – O médico brincou tentando descontrair um pouco.
Mas a reação do jovem não foi de alegria, pelo contrario, sentiu um vazio no estômago e se retirou deixando o medico para trás. Enquanto caminhava em direção ao seu aposento.
─ Será, que ele se recorda do incidente aqui no hospital? Será que é por isso que ele vem aqui todo dia neste tumulo? ─ Gellar refletia enquanto observava o paciente desaparecer no jardim.
Kurono voltou à realidade, durante duas semanas tentava reconstruir seu passado através de suas lembranças, e o pouco que se lembrava era da morte de seu irmão, não tinha muitas lembranças dele, mas era o suficiente para sentir sua perda e não sabia como lidar com a situação.
Chegou ao quarto com a cabeça rodopiando. Como seria agora, como poderia lutar sem ao menos se recordar totalmente de quem era . Chateado deitou-se, olhou para o criado-mudo e viu o pingente que era de seu irmão, no pingente tinha a face de um dragão entalhada delicadamente, lembrou de que Siedge nunca tirava aquele pingente, pois era uma recordação do pai deles. Nunca conhecera o pai, mas tinha uma leve sensação de que ele possuía uma renomada reputação, como a de seu irmão era uma sombra na qual teria que conviver ou se sobre por. Colocou o pingente e o observou o teto por horas até dormir.
Teve o sono interrompido varias vezes durante a noite por pesadelos, estava sonhando com a luta contra Sisifus e a morte de seu irmão, mas as recordações não estavam claras, estavam fragmentadas demais. Ficar dois meses em coma prejudicou muitas de suas lembranças, se recordava de uma ou outra coisa, além de não saber se realmente aconteceram ou se é fruto da sua imaginação,
Inquieto pelos distúrbios de sono olhou para o fundo do quarto escuro e teve a sensação de ver seu irmão sentado no chão encostado na parede, não sabia julgar se ainda dormia, ou se era conseqüência da medicação.
─ É você Siedge?
O soldado esperou uma resposta, mas não teve, limpou os olhos para saber se estava ou não vendo coisas, mas não encontrou mais o fantasma no quarto, pensou que se o fantasma de seu irmão estava olhando por ele, então não teria o que temer.
Levou a mão até o pingente e o pegou com cuidado, olhando para aquela pequena face de dragão entalhada em um minério desconhecido se recordou de mais algumas coisas, mas eram idéias vagas, Templária, sua infância, nada de muito esclarecedor, mas reconfortante ao lembrar das palavras do Dr. Gellar, sua memória, aos poucos estava voltando, tinha certeza disso. Voltou a cair no sono, mas desta vez não teve pesadelo.
Última edição por javert em Dom Jul 18, 2010 3:08 pm, editado 1 vez(es)